Artigo: Lei Moraica?! Claro que não!
Registro antes de tudo que meu senso comum e coração “estão fechados” com a o pacote anticrime do íntegro ministro Sérgio Moro! O ideal mesmo foi, para mim, há um certo tempo, no meu senso comum de justiça, a admissão em nosso ordenamento de certos ditames da lei mosaica ou da lei do profeta Mafoma que ordena, por exemplo, o decepamento da mão do ladrão em caso de roubo… Mas os anos nos amadurecem…
E na presente qualidade de advogado, de jurista, de “primeiro juiz da causa”, meu intelecto e apetência pelo senso científico exigem reflexão, prudência e atenção ao trânsito legislativo legal, sem deixar de compreender, e em muitos aspectos dar razão ao senso comum, e querer mesmo que em determinados casos este imperasse.
Queiramos ou não, o resultado das eleições trouxe um recado evidente quanto à questão da segurança. Ou seja, a sociedade clama por leis mais rigorosas contra a lama avassaladora do crime que atinge tão fortemente nosso solo e nossa gente, sendo o pacote anticrime do ministro Moro a expressão mais alta deste clamor. E à sociedade, os poderes constituídos, as leis, a justiça devem dar uma resposta, pois a sensação de impunidade instituída é, em certo sentido, mais forte que a própria lama.
A criança que ainda ontem pedia à mãe o leite e a chupeta, hoje acessa o smarthfone e pede facilmente bala e escopeta. Todavia, acontece que nós temos o senso comum de justiça e em contrapartida, temos a Justiça em si, que em sua forma administrativa leva o nome de Judiciário. E este se move pelas leis deliberadas pelas respectivas casas legislativas e sancionadas por quem de direito.
E entre a vontade popular expressa por leis mais duras (as canas-de-açúcar), tão bem expostas no pacote do Ministro Sergio Moro, e a efetivação, tipificação das mesmas, há um crivo, uma vontade, um ordenamento constitucional, uma “garapeira” pela qual devem ser moídas e que se chama “processo legislativo” que é um conjunto de atos, todos realizados pelos órgãos legislativos objetivando a formação das leis constitucionais, das leis complementares, das leis ordinárias, das resoluções e dos decretos legislativos.
E na “garapeira” que está toda a problemática. Nela, serão forçosamente trazidos à baila para a moagem, argumentos pró e contra, a comissão de justiça, ponderações, pareceres, debates infindos, sessões intermináveis! E no final, a vontade popular que tem por alto-falante o senso comum em seu bojo, será legal e oficialmente expressa em texto de lei, em “garapa” que poderá ser de todo não tão doce, digamos, mas que terá em seu bojo o senso científico por sua vez.
E o que é aquele nosso “senso comum”? É o modo de pensar e noções comumente por todos admitidas a partir de experiências, vivências e observações do mundo, não se baseando em métodos ou conclusões científicas, e sim no nosso modo comum e espontâneo de assimilar informações e conhecimentos úteis no quotidiano.
Ao contrário do senso comum, o qual é um conhecimento que não possui uma organização prévia, sistemática, ou investigação de estudos para se chegar a uma conclusão, a ciência é tida como um conhecimento sistemático, pois é organizada a partir de um conjunto de teorias, estudos e observações científicas que sejam coerentes e que possam se comunicar entre si.
Ou seja, o processo legislativo é, neste sentido, um processo científico. E devemos encará-lo com naturalidade, por mais gritante que seja interna e externamente nosso senso comum de justiça, que o “pacotaço” do ministro Moro deva ser submetido à toda espécie de críticas e análises sim, pois envolvem princípios constitucionais penais.
Por mais brilhante e acertada a sua atuação à frente da Lava Jato etc., em estando em cargo político, temos que levar em consideração que a voz do ministro Moro toma, inevitavelmente, outro tom!
E a não aceitação à submissão a este crivo científico, à “garapeira”, ao processo legislativo em todo seu amplo debate procedimental, sob simplista alegação impulsionada pelo nosso senso comum, de que são agentes da esquerda ou dos direitos humanos que as fazem, é conceder ao respeitável ministro Moro, coisa que ele em absoluto não quer e não pode aceitar dado seu profundo conhecimento e impecável vivência legal, o status de infalibilidade, o de “Moro locuta, causa finita!”* e como conseqüência, a imposição não da lei Mosaica, mas a da que seria Lei “Moraica”! E a esta: “Claro que não!”.
* Locução latina que significa “tendo falado Roma (ou seja, a autoridade Papal), questão encerrada”.
Munir Simão Mahfoud é advogado civilista e professor de francês